Viajar, fazer turismo, é muito mais que comprar uma passagem para um destino, por mais exótico ou conhecido que seja. Fazer turismo é observar as vivências de um povo, é conhecer um pouco da sua história, é estabelecer relações, de igual para igual, numa disponibilidade total para compreender as diferenças.
De alguns anos a esta parte, os Açores vêm sendo reconhecidos como destino singular, com excelente qualidade ambiental e natural. Todavia, poucos conhecem o contributo das suas gentes dado às Ciências, à História, à Literatura, à Religião e à Política.
Até nas pequenas localidades existem personalidades que se guindaram, pelo seu esforço e inteligência, a níveis dignos de reconhecimento público. Alguns já foram distinguidos. Outros são votados ao esquecimento pela falta de cultura e impreparação de responsáveis locais, enquanto as suas obras permanecem encerradas nas bibliotecas, votadas ao caruncho.
Neste remanso estival situado na Ponta da Ilha do Pico, frente a São Jorge e à Terceira, a memória reaviva-me muito mais que os grandes navios de passageiros, nas suas viagens para o novo mundo. A localização estratégica desta ponta leste, onde se formou uma das mais antigas localidades da Ilha, inicialmente designada por “freguesia da Ponta do Calhau” 1.), permitiu que muitos dos naturais rumassem à cidade (Angra do Heroísmo), em procura de melhores condições de vida e de mais educação para os seus filhos. Outros partiram para o Brasil e América do Norte, integrados nos fluxos de emigração que atingiram todas as ilhas.
Por terras da estranja, alguns fizeram fortuna. Desses sucessos a freguesia da Piedade da ponta da Ilha, recebeu alguns benefícios. É o caso do Comendador Manuel Matos Souto, que destinou, no Brasil, um legado para aquisição de terrenos e construção de uma escola, onde foi instalado um Posto Agrícola e hoje estão serviços florestais e do ambiente.
A Piedade é uma das maiores e mais populosas freguesias da Ilha, mesmo após a desanexação da localidade da Ribeirinha, em 1980.
No alto da dispersa freguesia, fica o núcleo habitacional e comercial, com duas agencias bancárias e uma nova escola para o primeiro ciclo, em fase final de construção. No meio do casario, destaca-se a igreja paroquial concluída em 1766. “É, com certeza, um dos mais belos templos da Ilha. Tem 42 metros de comprimento e 16 de largura. Na paroquial existe uma rica custódia de prata lavrada e dourada que pesa 4,9 kg e mede 79 cm de altura. Há também uma lâmpada em prata de grandes dimensões.” 2.), que pode ser apreciada, na capela-mor.
Nas zonas junto ao mar, onde os terrenos foram fustigados pelas erupções vulcânicas mais recentes, os habitantes construíram currais e plantaram vinhas. Durante largos anos o afamado verdelho, depois, devido à filoxera, as castas de produtor direto, donde se extrai o afamado vinho de cheiro. Junto às vinhas, os proprietários edificaram pequenas adegas, em cujas lojas térreas instalaram lagares e guardam o vinho.
Foi assim que se formaram as zonas de veraneio da Manhenha, a sudoeste, que alguém designou por “vilela das cem adegas”, e do Cais do Galego e Calhau, a Noroeste. Hoje são lugares pitorescos habitados todo o ano, com excelentes, modernas e amplas moradias construídas, não só por residentes, mas sobretudo por emigrantes que, ano após ano, voltam à terra-mãe, em período estival.
Longe vão os tempos em que as acessibilidades e comunicações eram muito difíceis e as deslocações feitas de burro e a cavalo. A Piedade é hoje muito procurada, sobretudo por estrangeiros, porque está ligada ao circuito rodoviário em volta da ilha.
A sua excelente localização permite que os forasteiros gozem uma visão singular do arquipélago central e se instalem nos empreendimentos turísticos existentes, usufruindo de equipamentos balneares e de restauração.
A Ponta leste da Ilha do Pico é uma zona que se desenvolveu muito, quer no setor agro-pecuário, graças à qualidade dos terrenos agrícolas e pastagens, quer na pesca, devido aos novos portos da Manhenha e do Calhau.
Outrora, ir para a Terceira era a única saída para aceder ao ensino secundário. Hoje, esse grau de educação está ao alcance das crianças e muitas há que acedem ao ensino superior. Vão suceder a outros piedadenses de que destaco: o economista Julião Azevedo, o escritor Manuel Urbano Bettencourt e o historiador Prof. Manuel Ávila Coelho.
É-me grato falar da Piedade, berço de alguns dos meus antepassados.
1.) Avila, Ermelindo, Album da Ilha do Pico, 2010, pag 38
2.) Idem, pag 39
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